A estrutura, ensinamentos e teologia da
Sacrosanctum Concilium
A) Estrutura: A Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia é constituída por
um proêmio e sete capítulos divididos em partes ou artigos somando um total de
130 números. Vamos conhecer os capítulos e o que cada um deles trata. Depois do
proêmio com seus 4 artigos, aparece o primeiro capítulo com suas 5 partes e uma
relevante densidade teológica.
Capítulo I: Princípios
gerais para a reforma e incremento da sagrada liturgia
Esse capítulo é
composto por cinco partes subdivididas em 46 artigos, a saber:
I – Primeira parte: Princípios gerais para a reforma e incremento da sagrada liturgia.
1.1. A natureza da
liturgia n 5.
1.2 . A obra da
salvação continuada pela Igreja realiza-se na liturgia n 6
1.3. Presença de
Cristo na liturgia n 7.
1.4. Liturgia
terrestre e liturgia celeste n 8.
1.5. A liturgia não é
a única atividade da Igreja n 9.
1.6. A liturgia é
cimo e a fonte da vida da Igreja n 10.
1.7. Necessidade das
disposições pessoais n 11.
1.8. Liturgia e
oração pessoal n 12.
1.9. Os atos de
piedade inspiram-se na liturgia n 13.
II- Segunda parte:
Necessidade de promover a formação litúrgica e a participação ativa n 14.
1.10. Formação dos
professores de liturgia n 15.
1.11. Ensino da
liturgia n 16.
1.12. Formação
litúrgica dos candidatos ao sacerdócio n 17.
1.13. Ajudar os
sacerdotes no ministério n 18.
1.14. Formação
litúrgica dos fiéis n 19.
1.15. Meios audiovisuais
na liturgia n 20.
1.16. Reforma da
sagrada liturgia n 21.
III- Terceira parte: Reforma da sagrada liturgia, normas gerais
1.15. A
regulamentação litúrgica compete à hierarquia
1.16. Tradição e
progresso
1.17. Bíblia e
liturgia
1.18. Revisão dos
livros litúrgicos
1.19. Normas que
derivam da natureza hierarca e comunitária da liturgia
1.20. Deve-se preferi
a celebração comunitária
1.21. Decoro da
celebração litúrgica
1.22. Participação
ativa dos fiéis
1.23. Liturgia e
classes sociais
1.24. Normas que decorrem
da natureza didática e pastoral da liturgia
1.25. Harmonia dos
ritos
1.26. Bíblia,
pregação e catequese litúrgica.
1.27. A língua
litúrgica
1.28. Normas para
adaptação à índole e tradições dos povos
1.29. Como proceder à
adaptação litúrgica na diocese e na paóquia
IV – Quarta Parte: incremento da vida litúrgica na
diocese e na paróquia. Esta parte é formada somente por dois pequenos artigos
n. 41-42.
V_ Quinta parte: incremento da ação pastoral litúrgica
1.30. Comissão
nacional de liturgia
1.31. Comissão
litúrgica diocesana
1.32. Outras
comissões
Capítulo II: O Mistério
eucarístico.
2.1. A missa e o mistério pascal
2,2. A participação ativa dos
fiéis na missa
2.3. Revisão do ritual da missa
2.4. Maior riqueza bíblica na
missa
2.5. A homilia
2.6 A oração dos fiéis
2.7. Latim e língua vernácula na
missa
2.8. Comunhão sob as duas
espécies
2.9. A unidade na missa
2.10. A concelebração
..........................
Capítulo III: Os outros
sacramentos e sacramentais
3.1. A natureza dos sacramentos
3.2. Os sacramentais
3.3. Necessidade de reformar os
ritos sacramentais
3.4. A língua
3.5. O Catecumenato
3.6. Revisão do rito batismal
3.7. Revisão do rito da
confirmação
3.8. O sacramento da unção dos
enfermos
3.9. Revisão do rito das
ordenações
3.10. Revisão do rito do
matrimônio
3.11. Revisão dos sacramentoais
3.12. A profissão religiosa
3.13. Revisão dos ritos fúnebres
Capítulo IV: Ofício
Divino
4.1. O oficio divino obra de
Cristo e da Igreja
4.2. Valor pastoral do oficio
divino
4.4. A estrutura tradicional seja
revista
4.5. Normas para a revisão do
oficio divino
4.6. Oficio divino fonte de
piedade
4.7. Distribuição dos salmos
4.8. Ordem das leituras
4.9. Revisão dos hinos
4.10. Quando rezar as horas
4.11. Obrigação ao oficio divino
4.12. Recitação comunitária do
ofício divino
4.13. A participação dos fiéis no
oficio divino
4.14. A língua no oficio divino
Capítulo V: Ano
Litúrgico
5.1. O sentido do Ano litúrgico
5.2. Revalorização do domingo
5.3. A Quaresma
5.4. As festas dos santos
Capítulo VI: A música
sacra
6.1. Dignidade da música sacra
6.2. A liturgia solene
6.3. Formação musical
6.4. Canto gregoriano e
polifônico
6.5. Canto religioso popular
6.7. A música sacra nas missões
6.8. Missão dos compositores
Capítulo VII: Arte
sacra e alfaias litúrgicas
7.1. Dignidade da arte sacra
7.2. A liberdade de estilos
artísticos
7.3. Formação dos artistas
7.4. Revisão da legislação sobre
a arte sacra
7.5. Resão da legislação sobre a
arte sacra
7.6. formação artística do clero
7.7. As insígnias pontificais
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Introdução Geral e aceno histórico
Em 25 de Janeiro de
1959, festa da conversão de São Paulo, o Papa João XXIII surpreendia a Igreja e
o mundo convocando um novo Concílio. O anúncio foi feito exatamente na Basílica
de São Paulo Extramuros. Ninguém esperava por isso. Há poucos meses tinha sido eleito Papa e já tinha
77 anos. Foi o início de uma renovação, ainda em curso.
No dia 11 de outubro,
1962, o Papa João XXIII abre solenemente, na Basílica de São Pedro, o Concílio
Vaticano II. Disse o Papa no discurso de abertura: “Alegra-se a santa Mãe
Igreja, porque, por singular dom da Providência divina, amanheceu o dia tão
ansiosamente esperado em que solenemente se inaugura o Concílio Ecumênico
Vaticano II...”.
A Constituiçaõ
Sacrosanctum Concilium do Concilium Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia foi o
primeiro documento aprovado pelos Bispos conciliares. Foi o primeiro fruto do
Concilio.
A constituição SC é
constituída por um proêmio e sete capítulos. Formando um total de 130
artigos. Segundo Dom Clemente Isnard,
todos os assuntos que dizem respeito à vida litúrgica foram incluídos e
contemplados nesses sete capítulos.
Introdução específica ao conteúdo do
Documento
O proêmio
1. Os Bispos colocam
evidente a intenção do Concílio “O Sagrado Concílio, propondo-se fomentar
sempre mais a vida cristã entre os fiéis... julga ser sua obrigação ocupar-se
também da reforma e do incremento da liturgia”.
2. Em seguida fala
sobre o lugar da liturgia no mistério da Igreja. Por meio da liturgia, a Igreja
atualiza a obra da redenção. Destaca a natureza da Igreja que é humana e divina
e da liturgia como fonte que revigora as forças dos fiéis para pregarem o
Cristo...
3. Fala sobre a
Constituição sobre a liturgia e os outros ritos. O Concilio “julga oportuno
relembrar os princípios referentes ao incremento e a reforma da liturgia e
estabelecer algumas normas práticas”.
4. Apresso por todos
os ritos legitimamente reconhecidos. O Concílio declara que a Igreja considera
com igual direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos quer
conservá-los e incrementá-los que tais
ritos sejam revigorados como exigem as condições e as necessidades dos tempos
atuais.
B) Ensinamento e teologia da Sacrosanctum Concilium
1.1. A natureza da liturgia e sua importância na vida da Igreja.
Esse tema vai do n. 5-13. Sendo que do n. 5-8 trata-se especificamente da
natureza da liturgia. Esses números são densos de uma verdadeira teologia e nos
dão a compreensão da teologia litúrgica.
O mistério pascal
centrado na paixão, morte, ressurreição e ascensão é o núcleo constitutivo da
liturgia, é o fulcro da mística cristã.
Cristo é o centro e,
ao mesmo tempo, o Mediador de toda ação litúrgico-sacramental. Mas estão
presentes nesses números os elementos pneumatológicos, eclesiológicos e
teoantropológicos .
Pela presença e
mediação de Cristo, a Igreja, na força do Espírito, atualiza o mistério pascal,
que é o mistério da nossa redenção faz acontecer a perfeita glorificação de Deus e a santificação do gênero humano. A liturgia é a forma ritualizada por meio da
qual Deus opera e atualiza a economia da salvação no mundo.
Chamo a atenção para o
n.7 da SC, ele fala da presença atuante e vivificante de Cristo na Igreja e, de
forma especial, na liturgia. São 5
tipos ou maneiras de presença real de
Cristo. Não podemos deixar que a
presença do Senhor passe despercebida entre nós.
1) Sob as espécies eucarísticas. Esta formas é
presença por antonomásia, como disse
o Papa Paulo VI no Documento Mysterium Fidei,39. A eucaristia presentifica todo o mistério de
Cristo, isto é, Deus e homem.
2) Está presente na
pessoa do ministro. “Pois aquele que agora se oferece pelo ministério
sacerdotal é o mesmo que, outrora, se ofereceu na cruz...”.
3) Está presente nos sacramentos. “De tal modo
que, quando alguém batiza é o próprio Cristo quem batiza”. Na liturgia, a
Igreja sacramentaliza a presença e ação salvífica de Cristo na história.
4) Está presente na
Palavra de Deus. “Pois é ele quem fala quando na Igreja se leem as Sagradas
Escrituras”.
5) Por fim, Cristo está presente quando a
Igreja ora e salmodia . “Ele que prometeu:
onde se acharem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio
deles” Mt 18,20. = (lembremos-nos da presença sacramental de Cristo na assembleia
litúrgica e na pessoa de cada batizado em oração).
A liturgia é cume
para o qual se dirige a vida da Igreja e fonte donde emana toda sua força (SC,
10). Todo o agir da Igreja converge para a liturgia e da liturgia emana toda a
força para o agir da Igreja. Toda evangelização deve levar à celebração e a
celebração fortalece a Igreja para o cumprimento da missão que o Senhor lhe
confiou. É verdade que a liturgia não esgota a ação da Igreja SC, 9. A pregação
precede a celebração. Primeiro evangeliza para depois celebrar os santos
mistérios da fé.
A Igreja nasce com a
finalidade de continuar, no mundo, a missão de Jesus e, atualizar, na história,
a obra por ele inaugurada.
1.2 A formação litúrgica
A Constituição sobre
a sagrada liturgia fala, com insistência, da necessidade de promover a formação
litúrgica e a participação ativa n.14-20.
“É desejo da mãe
igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação
na celebração litúrgica... A esta plena e ativa participação de todo o povo
cumpre dar especial atenção na reforma e incremento da sagrada liturgia”. A SC
ver a liturgia como fonte primeira da espiritualidade cristã. Antes do
devocionalismo medieval, a liturgia centrada no mistério pascal de Jesus era a
fonte inspiradora do agir, viver e ser. Nele e por ele, nos movemos agimos e
somos. O cerne da vida cristã é viver em Cristo e por Cristo.
É impossível haver
participação ativa sem verdadeira formação litúrgica. A exigência da formação é para os pelos
professores de liturgia, os candidatos ao sacerdócio, os que já estão no
ministério, e os fiéis. Diz o Concilio: “Com empenho e paciência procurem os
pastores de almas dar a formação litúrgica e promovam também a participação
ativa dos fiéis, tanto interna como externa, segundo a sua idade, condição,
gênero de vida e grau de instrução religiosa...” (SC, 19).
Menciona-se
ligeiramente a necessidade de maior discrição e dignidade em relação aos meios
audiovisuais e liturgia.
Como
podemos ver, a Sacrosanctum Concilium
é insistente no que diz respeito à formação litúrgica. Por quê? Porque é a
melhor forma de enfrentar e combater a compreensão litúrgica deficiente e
decadente.
Nota-se
deficiência no que diz respeito à mistagogia e outras dimensões essenciais da
liturgia. Percebe-se, em nossos dias, certa tendência marcada por um rigorismo legalista
que engessa e mata o espírito do Concílio.
Por
outro lado, há laxismo personalista que banaliza o mistério da liturgia. A
mídia católica pode ajudar muito na formação litúrgica, basta assumir o
espírito do Concílio.
Falando
no Seminário nacional de Liturgia, Frei José Ariovaldo dizia: “corremos o risco de continuarmos no
espírito cultual da cristandade medieval e pós-tridentina, com alguma tintura moderna
apenas, mas longe do Espírito do Senhor, longe do centro da nossa fé (do
mistério pascal de Jesus Cristo que nos empenha a um compromisso comunitário na
vivência da fé)”.
De
fato, penso que nenhuma devoção se sobrepõe à celebração eucarística. A
Eucaristia é celebração memorial do sacrifício pascal de Cristo que nos
libertou e continua nos libertando do pecado.
É grave
a tentação de reduzir a compreensão teológica da celebração do mistério pascal
do Senhor a um mero evento psicoterapêutico com as chamadas missas de cura.
Quando
subvertemos a compreensão teológica da celebração sacramental dos mistérios da
nossa redenção, corremos o risco de profanar a Eucaristia com certas práticas
litúrgicas.
Ora,
ser curado é ser salvo do pecado e suas consequências. A celebração eucarística
é a salvação presente no momento histórico de cada comunidade que celebra os
mistérios da fé. Nossa práxis
celebrativa não pode comprometer o espírito da reforma litúrgica.
1.3
A Reforma da sagrada liturgia n 21-40.
“A liturgia compõe-se
de uma parte imutável, porque de instituição divina, e de partes susceptíveis
de mudanças”. Por isso o Concilio estabeleceu
que a regulamentação litúrgica compete à hierarquia ou a autoridade da Igreja (SC, 22). Isto é a
Sé Apostólica e ao Bispo Diocesano.
A compreensão
teológica do mistério da liturgia passa pela compreensão mistério da Igreja
como “sacramento de unidade” e povo santo de Deus “reunido e ordenado sob a
direção dos bispos” (SC, 26).
O decoro da
celebração litúrgica é lembrado com a exortação de que na celebração cada um
faça o que lhe compete.
1.4 O incremento (o
desenvolvimento) da vida litúrgica na diocese e na paróquia n 41-42.
A vida litúrgica da
diocese gravita em torno do bispo. O verdadeiro rosto da Igreja como corpo de
Cristo cabeça e membros se dá na liturgia presidida pelo bispo rodeado pelo seu
presbitério pelos seus ministros e todo o povo santo de Deus (SC 41).
As paróquias
representam a Igreja espalhada pelo mundo inteiro. A vida litúrgica da paróquia
e sua relação com o bispo devem ser cultivadas no espírito e no modo de agir
dos fiéis e do clero (SC 42).
A paróquia é o núcleo
que da visibilidade a Igreja espalhada por toda a terra. É na paróquia que se
dá o cultivo intenso da vida litúrgica. Por isso ela é, com suas redes de comunidades,
o centro irradiador da vida eclesial.
1.5 Como promover a ação pastoral litúrgica.
O Concilio determina
que seja criada:
a) Comissão litúrgica nacional formada por “especialistas
em liturgia, música, arte sacra e pastoral”. Esta deve ser uma das primeiras
iniciativas a serem tomadas no processo de desenvolvimento da ação pastoral
litúrgica.
b) Comissão litúrgica diocesana : “haja em cada diocese a
Comissão de liturgia para promover a
ação litúrgica sob a orientação do bispo”.
c) Outras Comissões: “instituam-se, em cada diocese, se
possível, Comissão de música sacra e arte sacra” (SC, 46). Hoje, temos as
Comissões Regionais de liturgia, Comissão Diocesana e setorial. Onde tais Comissões
funcionam, a participação ativa, consciente e frutuosa é evidente.
Considerações
finais
Gostaria
de terminar esta minha fala com o pensamento de um dos conferencistas, em
Itaici, sobre os 50 anos da SC. Durante o Seminário Nacional de Liturgia, o
professor Anedrea Grilo disse em uma das suas conferências que o Concílio pede
uma
conversão de linguagem.
Ora, a conversão de linguagem passa pela metanóia “mentis et cordis”. A meu ver esta é a tarefa mais exigente para que os
ensinamentos do Concílio sejam acolhidos e assimilados pela nossa geração e as
gerações futuras.
O
ilustre conferencista apontou “quatro coisas a não serem esquecidas, a saber:
a) que a liturgia é ação ritual,
b) é experiência de comunhão,
c)
é tempo festivo doado (é gratuidade),
d)
enfim, é fons et culmen”.
Tudo
isso nos faz pensar que a liturgia é objeto de estudo porque é ciência, mas
nunca pode ser colocada dentro de uma forma, porque é mistério que se dá. E o
mistério torna-se infinitamente maior quanto mais ele se desvela e se dá. A
liturgia celebra o mistério da comunhão trinitária que é o mistério de Deus em
si mesmo, Pai, Filho e Espírito Santo. A ele honra glória e louvor, pelos
séculos dos séculos. Amém!