domingo, 20 de fevereiro de 2011

Conferencias: Filosofia e Educação

Pensar é o eixo da Aprendizagem III
Pe. Joaquim Cavalcante


Retomo, nesta edição, a continuação do nosso tema sobre a necessidade de “pensara o eixo da aprendizagem”. Urge uma educação que dê ênfase ao mistério da vida e que amplie o sentido das relações sem fazer da vida um apêndice no planeta e do homem um objeto de utilidade produtiva a serviço do lucro. É preciso apostar na contribuição da interrelacionalidade das ciências humanas e na contribuição que emerge da filosofia, a história, a cosmologia teológica e a física quântica.
A universidade enquanto lucus da universalização do saber e da ampliação do horizonte e do pensamento não deveria se submeter à vontade partidária e burocrática de matreiros e demagogos. Ela devia se subordinar aos protagonistas da educação: cientistas, pesquisadores, professores e acadêmicos. A esses deveria ser dada a máxima liberdade e autonomia em respeito à sua posição de formadores pensamentos. O verdadeiro estadista deve ter sensibilidade e inteligência para perceber que as promessas não cumpridas geram indignação e desconfiança. Quem não cumpre o que promete não devia continuar prometendo. Compete a quem governa aplicar, com justiça e retidão, os recursos destinados à educação. Por isso penso que seria uma forma ofensiva de pensar a educação se um centro acadêmico e uma Universidade fossem utilizados como lugar de ressonâncias de promessas não cumpridas e projetos não realizados.
O pensar universitário deve transcender qualquer um dos espaços projetados para o ensinamento de antigas lições e a sustentação de interesses sectários. Pensar e agir constituem uma forma autêntica de expressar a não conformidade com a mesmice.
Nesse mundo dilacerado pela violência, a guerra e a cultura da morte, a universidade precisa educar para a relação social pacífica. É preciso resgatar o sentido da força transformadora do amor que é infinitamente capaz de transcender o impetuoso fascínio do conhecimento. O saber científico é importante, mas ele deve ser visto como uma pequena claridade na imensa obscuridade. Por isso estamos sempre em processo de superação do obscuro. Pois há sempre uma caverna de dentro da qual devemos sair.
Nosso compromisso com as instituições nos incita a ajudá-las a superar as condições trágicas em que se encontram, mesmo quando alguns mostram o caos institucional o estado nirvânico paradisíaco. Pensar é uma forma pedagógica de possibilitar a transformação de realidades ancoradas em portos sem saídas.
A universidade, com suas múltiplas vertentes, não pode ser reduzida a mero espaço do saber erudito. Retomo o pensamento nietzschiano, para quem o erudito pode ser um intelectual com o horizonte limitado por sua formalidade crítica ao presente.
Gostaria de concluir esta minha fala sublinhando três pontos:
1. Faço votos que os pensadores do presente ajudem a não retroceder um milímetro os avanços e as conquistas que os protagonistas de ontem conquistaram no campo da educação.
2. Não podemos ser intelectuais impulsionados pelo frívolo e o grosseiro. É imperativo vocacional que se impõe à Universidade ajudar o futuro cientista a superar a preguiça de pensar. Quem é vencido pela preguiça nunca reage diante do profundo e do que é difícil
3. O homem é um ser pensante porque ele é capaz de repensar o seu ato de pensar. Ele é capaz de redimensionar os fatos e reinterpretar a história. É por isso que nós superamos aquela narrativa ingênua de que as Caravelas portuguesas avançavam heroicamente rumo ao Monte Pascual. O invasor grita: “terra à vista”. Sim, claro, jamais vista por quem não havia nascido aqui, mas já habitada por milhões de brasileiros nativos. Muitos foram treinados para repetir às gerações que as Caravelas inauguraram o fascínio do progresso. Mais tarde, compreendemos que a flâmula régia trazia sob a coroa a intenção do genocídio. À sombra da cruz, símbolo de vida e da vitória de Cristo sobre a morte, veio a espada, instrumento sanguinário, causador de tantas tragédias. Por isso penso que “pensar a aprendizagem” é, também, superar as antigas lições e ir além das fantasias e dos fatos adulterados e buscar o sentido último das realidades que nos interpelam.

Conferencias: Filosofia e Educação

Pensar é o eixo da aprendizagem II
Pe.  Joaquim Cavalcante
Conforme prometido, estamos continuando nesta edição nossa reflexão sobre o tema “pensar o eixo da aprendizagem”.
 Para Platão e Aristóteles, protagonistas da sistematização do pensamento filosófico, nós começamos a pensar quando sentimos uma experiência estranha diante da realidade. Toda realidade ou objeto causa um reflexo surpreendente ao observador pensante. Essa realidade pode ser o mundo, a vida e todos os fenômenos do universo.
O que causa surpresa e admiração ao nosso conhecimento ou senso comum nos faz ver os limites do nosso pensar. Nesse momento inaugura-se nosso filosofar. Quando sabemos que não sabemos, passamos a investigar a realidade que nos interpela e começamos a repensá-la. Filosofar é ver além da realidade. É incitar o desejo da superação da cegueira.  Nesse prisma, a conhecida Alegoria da Caverna é um bom exemplo para compreender a necessidade de superação do óbvio cristalizada como verdade absoluta.
Pergunta-se: qual é o problema da cegueira? A cegueira intelectual leva a pensar que tudo o que se sabe é tudo o que há para saber. (Sardi, S. Filosofar, um modo especial de ver e de viver, in Jornal Mundo Jovem, outubro 2010, n. 10). Assim solidificamos a ignorância.
Por isso vejo a sala de aula como lócus permanente da produção emergente do conhecimento e do exercício do pensar. Ela não é um espaço destinado à aglomeração, é lugar da ampliação do conhecimento e da produção cientifica coletiva.
Todo saber deve ser revertido em uma práxis. E todo agir deve ser fruto de um pensar. A ação é a operacionalidade do pensar, é o saber consumado. O saber se exprime na vivência empírica natural. Mas a experiência é uma forma a mais de explicitar o conhecimento, não é um paradigma único nem absoluto.
O saber é uma necessidade. É uma estratégia e um apelo da vida e da razão.  É uma emergência antropológica e uma necessidade da espécie humana. Pensar é a forma pertinente de transcendentalizar o ser pensante.
O “cogito logo existo” pode ser um apelo a transcender o real e perceptivo, é um eco que tematiza a total descentração do sujeito pensante absolutizado. Os estereótipos da visão existencialista não anulam a capacidade de reinvenção do sujeito na busca irrequieta por transcendência.
Portanto, pensar é colocar em movimento nossas experiências e intuições, é construir caminhos que dêem potencialidade e significado o sentido da vida.
Pe. Joaquim Cavalcante: Pároco de São Pedro e São Paulo e professor de teologia.



Conferencias: Filosofia e Educação

Pensar é o eixo da aprendizagem I
Pe. Joaquim Cavalcante

Logo depois do golpe de 1964, o ensino brasileiro limitou-se ao técnico e a história em narrar fatos muitas vezes adulterados e destorcidos. A filosofia foi literalmente banida da Universidade, história e sociologia não eram bem vistas, inaugurava-se uma produção intelectual monitorada.
O tempo foi passando. Muitas mudanças foram acontecendo. Hoje aqui estou para falar sobre algo que, naqueles anos, era quase proibido. O objeto da nossa reflexão é “pensar o eixo da aprendizagem”. É algo pertinente. Não tenho a pretensão de solucionar um problema e sim de contribuir levantando algumas inquietações. Uma delas é a distância entre as ciências.  
Sempre pensei que devia haver maior aproximação entre historia, sociologia, teologia e filosofia. Pois “quanto mais sociológica a história se torna, mais histórica a sociologia se faz” (Carr, citado por Antonio Joaquim Severino, A filosofia da Educação: buscando o sentido histórico e social da educação, in Educação e Filosofia, 10, julho/dezembro 1996, 73). E quanto mais se aprofunda o horizonte teológico, mais filosoficamente o homem pode compreender Deus que é o “totalmente outro” e, na visão cristã, fez-se totalmente homem. Este é o mistério que celebramos no Natal, festa da encarnação do Verbo.
Isso reitera a condição histórico-sosocial do ser humano, amplia seu horizonte, alarga sua hermenêutico e dilata seu pensamento. Creio que o grande desafio para o pensador passa pela necessidade de transcender verdades construídas a partir de substância sem consistência. O filósofo, o historiador, o teólogo e outros podem  contribuir para desmistificar os modelos absolutos de verdades apócrifas impetradas no sulco da história.
Aos poucos, reconquistou-se o espaço da universidade, apesar da desconsideração para com o professor e a educação. Essa tríplice realidade (universidade, professor e educação) constitui um conjunto de potencialidades e estão proporcionalmente interligadas. A função dessas forças paradoxalmente não é ensinar a pensar e sim incita o exercício de pensar.
Quem ensina a pensar pode induzir o outro a repetir suas próprias formas arcaicas ou modernas de ver e interpretar a realidade. Ciência não se estuda se faz. Fazer ciência é construir o saber, estudar ciência é repetir o que já se conhece. O papagaio, por exemplo, não estuda, ele só repete, por isso nunca será cientista.
A construção do pensamento autônomo é um exercício árduo.  É algo que exige nada menos que a superação da preguiça de pensar.
O primeiro grande desafio no processo gradativo da construção e consolidação do saber cientifica é superar a comodidade do senso comum. Pensar o óbvio e discursar sobre ele sem se deixar interpelar por ele não exige esforço de ninguém. O pensamento autônomo começa aparecer quando nos sentimos interpelados e ousamos interpelar o objeto ou a realidade que se descortina à nossa frente.
O pensamento revestido da autonomia consciente passa ser força motora para o agir. Pois pensar e não agir frente à realidade que pede mudança é dizer: eu sou um ser pensante entorpecido e engessado. Sou fadado a morrer asfixiado pela irresistível angustia por não fazer nada. (Continuaremos esta reflexão numa próxima oportunidade).
Pe.  Joaquim Cavalcante: Pároco de São Pedro e São Paulo e professor de teologia.