sexta-feira, 26 de abril de 2013

Teologia e a mística da Carta Apostólica "Porta Fidei"


ENCONTRO DIOCESANO DE MINISTROS EXTRAORDINÁRIOS DA SAGRADA COMUNHÃO

“A TEOLOGIA E A MÍSTICA DA CARTA APOSTÓLICA PORTA FIDEI” (texto a ser corrigido).
Pe. Joaquim Cavalcante

O Ano da Fé iniciou em 11 de Outubro de 2012 e vai até a festa de Cristo Rei, em 2013. Na verdade, cada ano na vida da Igreja poderia ser descrito e chamado de Ano da Fé. Então o que tem de especial em um Ano da Fé?

Antes de tudo, não é a primeira vez que a Igreja proclama um Ano da Fé. Em 1967, Paulo VI proclamou um Ano da Fé para comemorar o 19º Aniversário dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.

O Papa Bento XVI compreendeu o Ano da Fé como um momento solene para toda a Igreja fazer uma autêntica e sincera profissão de Fé, como os grandes apóstolos Pedro e Paulo.

Este é um ano especial. No coração deste ano de graça é que cada fiel, cada batizado: individual e coletivamente, faz livre e conscientemente a autêntica profissão de fé.

Portanto, toda a Igreja espera que nós, fazendo nossa renovada profissão de fé, sejamos revigorados, purificados e confirmados na fé e que confessemos nossa fé com maior confiança, liberdade e convicção.

Este Ano da Fé é singular. Ele se dá no contexto do 20º Aniversário do CIC, o 50ºAniversário da abertura do Concílio Vaticano II e, em outubro, os Bispos do mundo estarão reunidos para refletir sobre  “a nova evangelização e a transmissão da fé cristã”.

Tudo contribuirá para que nós sejamos confirmados na fé apostólica sistematizada no dogma, pensada pela teologia e celebrada na liturgia. Esta é a fé da Igreja. A fé ilumina a razão e a razão explicita e ajuda a compreender a fé. Desse modo, entendemos que uma não se opõe à outra.

O Ano da Fé interpela muitos aspectos da nossa fé pessoal e comunitária ou eclesial. O CIC nos ensina dizer eu creio e nós cremos. Dizer eu creio é expressar minha “adesão pessoal e meu consentimento livre a toda verdade que Deus revelou” (CIC,150). A fé é um ato pessoal: é a resposta livre do homem à iniciativa de Deus que se revela (CIC, 166).
E o que significa dizer nós cremos? Significa que a fé não é um ato isolado (o fato de ser um ato pessoal não quer dizer isolado). O Catecismo ensina que “ninguém pode viver sozinho, ninguém deu a fé a si mesmo, como ninguém deu a vida a si mesmo” (CIC, 166). A fé é dom de Deus, dom recebido mediante a pregação e o testemunho de outros. Se recebermos a fé de outros, devemos transmiti-la a outros.

Dizer eu creio é a forma da adesão do ato batismal. Dizer nós cremos é a forma confessada pelos bispos reunidos em Concílio ambas as formas expressam a fé da Igreja que na liturgia responde a Deus com sua fé e nos ensina a dizer: eu creio, nós cremos  (CIC , 167).

Penso que o aspecto mais fortemente interpelador é o do serviço e o da gratuidade. Santo Agostinho nos ensina que o verdadeiro servo de Deus, “gosta mais de ouvir do que falar” (in ontologia Litúrgica, 3332). Eu direi que a pessoa que assume uma função na sua comunidade de fé, ela deve se sentir melhor e mais feliz servindo do que sendo servida.     O Ano da Fé é um apelo fortíssimo à autêntica conversão ao Serviço.

Naquela noite em que Jesus instituiu a Eucaristia, antes de dar o pão e o vinho aos seus discípulos, ele lavou os pés de cada um deles. Mas para que Jesus lavou os pés dos doze? Para dar-lhes uma lição não com palavras, um ensinamento não com discurso verbal, mas com uma atitude, um gesto concreto e incontestável.

Pedro reage dizendo: “Jamais me lavarás os pés” (Jo 13, 6). Jesus é bem claro e contundente: se eu não lavar os teus pés, tu não terás parte comigo. Isto é, se tu não me permites lavar os teus pés significa que tu não estás disposto a servir os outros.

Meus irmãos,  quem não assume o ministério na ótica e na mística do serviço, jamais se santificará por meio dele. Não nos esqueçamos de que o nosso serviço, o nosso ministério é fonte de santificação para cada um de nós.

E quando o ministério deixa de ser fonte de santificação? Quando nós nos servimos do nosso ministério para nos beneficiar perante a sociedade, quando fazemos dele uma fonte de proveito próprio.


Por exemplo, Judas Iscariotes se serviu do convívio intimo com o Senhor para ganhar 30 moedas. Isso é vergonhoso, mas aconteceu. Até quando os escolhidos  e escolhidas do Senhor vão continuar perto dele para se beneficiarem? Quando nosso ministério não é movido pela gratuidade da fé, ele é reduzido a uma mera vantagem pessoal.

Alguns contabilizam quantas comunhões recebem por mês e quantas vezes tocou o corpo de Cristo enquanto distribuem  a comunhão, mas eu pergunto: quantas vezes você toca o corpo de Cristo na pessoa daquele doente, seja ele homem ou mulher, criança ou idoso, em casa ou no hospital?

Para ser mais preciso: quantos doentes,  você atende ou visita por mês? Visitar os doentes é uma forma não de lavar os pés, mas de banhar as pessoas com o amor de Deus.

O gesto do lava-pés é um sinal que evoca serviço amoroso. Sendo Senhor e mestre, Jesus assumiu naquela ceia, a verdadeira atitude de servo, de escravo, mas por amor.

A Teologia e a Mística da Carta Porta Fidei

Entendo que a teologia da Porta Fidei é a teologia do chamado e sua mística é a do seguimento pela vivência da fé testemunhada no dia-a-dia.

1 – O Chamado
Somos chamados, antes de tudo, para testemunharmos o amor de Deus, o qual enche nosso coração e nos impele para o anúncio e a vivência do que anunciamos. O Senhor nos ama e derramou seu amor em nossos corações.

Assim, ele nos chama para nos lançarmos no confronto com o mundo para partilharmos nossa fé, proclamar e testemunhar o seu Evangelho até os confins da Terra. E ele estará conosco “todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). A presença do ressuscitado em nosso meio nos encoraja na luta contra as forças antagônicas à fé.

2 – A mística
A mística da Carta Porta Fidei está centrada na vida em Cristo que é vivência da fé no seguimento a Jesus Cristo. A Carta nos adverte contra dois perigos:
a)                O perigo de vivermos uma fé sem consequências, ou seja, uma fé sem obras.
b)                O perigo de nos preocuparmos, unicamente,  com as consequências da fé: a militância social, cultural, política e nos esquecermos da própria fé. Uma coisa não pode ser assumida sem a outra.

É claro que todas essas preocupações expressam a fé, mas nenhuma dessas dimensões ocupa o lugar da fé.  São consequências da fé, por isso não há fé verdadeiramente autêntica sem essas dimensões.

Mas, onde a fé se alimenta para dar frutos e para ser verdadeira e operante?  O lugar, por excelência, da alimentação da fé é na liturgia. Na celebração litúrgica, a fé se fortalece e se capacita para o  agir,  porque a liturgia é o cume e a fonte da vida da Igreja (SC, 10).

A fé que não é alimentada com a oração pessoal, com a meditação orante da Palavra de Deus e com a celebração dos sacramentos é como o sal insípido e uma luz colocada debaixo da mesa. (Mt 5, 13-16).

A oração revigora, dá sabor e sustenta a fé e a qualifica para o testemunho.
O Ano da Fé é um convite para que aprofundemos a experiência da refontização da nossa fé.

A fonte primeira e original da nossa não é um lugar é uma pessoa, é Jesus Cristo. No mistério da sua natureza divina unida à nossa humanidade, encontramos o real sentido da nossa existência e da nossa fé.  Devemos mergulhar nesse mistério sem medo de naufragar.

Em seguida temos as fontes que alimentam e instruem a nossa fé: a Palavra, os sacramentos, os ensinamentos dos Concílios, os ensinamentos dos Santos Padres, a liturgia, o Catecismo e tudo o que a Igreja dispõe para a santificação do povo de Deus.

Devemos sentir sempre de novo, e ininterruptamente, aquela sede que levou a samaritana ao poço de Jacó. Ali, mais do que água, ela encontrou Jesus que a convida a “crer nele e a beber da sua fonte, donde jorra água viva” (Jo 4,14).

 Que água viva é essa que mata a sede e aumenta o desejo de possuí-la mais e mais? É Jesus. É o seu Espírito de amor derramado em nossos corações, ele é a água viva.
 Espírito do Cristo ressuscitado desperta,    em nós,  o desejo ardente e o gosto de “alimentarmos da Palavra de Deus transmitida fielmente pela Igreja e o desejo do pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (Jo 6, 51). (P.F, 3). Afinal, a obra de Deus consiste em crer e abraçar, pela fé, aquele que o Pai enviou (Jo 6, 29).

Ora, nesse sentido, podemos dizer que o Ano da Fé foi proclamado para que nós proclamemos pela fé a obra de Deus. Precisamos criar, urgentemente, um movimento de volta à fonte da fé.

A verdadeira fonte da fé cristã é Jesus Cristo, o Filho de Deus, nosso salvador.
Estamos vivendo uma das partes mais belas do Ano Litúrgico: o tempo pascal.

Em virtude do mistério de Cristo, Senhor da vida e vencedor da morte, nossa existência é plasmada na ressurreição e centrada no coração do mistério pascal.

O amor de Cristo que nos salvou pela oferta da sua vida na cruz, faz nossa fé operosa. O apóstolo Paulo nos ensina que a fé atua pelo amor (Gl 5, 6). Isto é a caridade é a fé em ação. O amor de Cristo nos impele à vivência da caridade. (2Cor 5, 14).

Se o amor do Senhor levou à oferta da sua vida por nós, logo, nós que nos configuramos a Cristo pelo Batismo devemos prolongar a oblação, a oferta de Cristo pela doação da nossa vida, qualquer que seja nossa condição (leigo ou não).

Portanto, se é Cristo a porta e a fonte da fé,    é por esta porta, ainda que estreita, que devemos entrar para a comunhão da vida trinitária. Ele é a porta estreita, mas sempre aberta para nos dá acesso ao coração de Deus.

 “é o amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar” e a oferecer nossa vida no santo serviço aos irmãos.

A carta Porta Fidei fala que Cristo continua a enviar-nos pelas estradas do mundo para proclamar seu Evangelho a todos os povos da Terra. (Mt 28, 19) (PF, 7)
Urge um empenho eclesial mais vigoroso que ajude a redescobrir a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé.


Um outro elemento pertinente da mística da carta Porta Fidei é o compromisso.
Esta palavra é banida do vocabulário do secularismo contemporâneo.
A Porta Fidei diz que “a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicado como experiência de graça e alegria”.

A fé torna-nos fecundos porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho capaz de gerar discípulos. A fé abre o coração dos ouvintes para acolher o convite do Senhor a aderir à sua Palavra. Acolher a Palavra é uma forma de acreditar, por isso Santo Agostinho ensina que os crentes “fortificam-se acreditando” (PF, 7).

O Papa Bento XVI quando abriu o Ano da Fé insistiu que ele fosse celebrado de forma digna e fecunda, intensificando a reflexão sobre a fé para ajudar a todos os crentes a tornarem mais conscientes e revigorarem sua adesão ao Evangelho (PF, 8). Acolhendo-o e acreditando com o coração, professando-o e proclamando-o com a boca (Rm 10, 10). Exemplo de Lídia: “O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia” (At 16, 14)

Considerações Finais

1.                O Ano da Fé é um forte apelo a repensar a fé e qualificar a fé.

2.                Na obediência da fé, como Maria, precisamos acolher o anúncio e colocar-nos a serviço uns dos outros, como Maria se colocou a serviço de Isabel.

3.                O Serviço com amor e dedicação nos identifica e configura a Cristo, o servidor da humanidade e qualifica nossa fé. Sabemos que a fé sem o serviço é estéril. Diz o Papa Bento: “a fé sem a caridade não dá fruto e a caridade sem a fé seria um sentimento à mercê da dúvida” (PF, 14). Direi que a fé se explicita no serviço e o serviço é a caridade consumada. Que Deus nos faça seus verdadeiros servidores e  servidoras. Amém!