terça-feira, 15 de outubro de 2013

12 frases marcantes do Papa na entrevista a Scalfari

“Os chefes da Igreja muitas vezes foram narcísicos e excitados pelos seus cortesãos. A corte é a lepra do papado”

01.10.2013
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© ALESSIA GIULIANI/CPP




Leia a seguir 12 passagens marcantes da entrevista que oPapa Francisco concedeu ao jornalista Eugenio Scalfari, do jornal La Repubblica.

* * *

“O mundo é feito de estradas que nos aproximam e distanciam, mas o importante é que nos levem para o Bem.”

“Cada um de nós tem uma ideia do Bem e do Mal e deve fazer a escolha de seguir o Bem e combater o Mal como o concebe. Isto bastaria para melhorar o mundo.”

“Os chefes da Igreja muitas vezes foram narcísicos e excitados pelos seus cortesãos. A corte é a lepra do papado.”

“A Igreja é e deve voltar a ser uma comunidade do povo de Deus, e os presbíteros, os párocos, os bispos estão a serviço do povo de Deus.”

“Quando encontro um clerical, me torno anticlerical de vez. O clericalismo não deveria ter nada a ver com o cristianismo.”

“Os jesuítas foram e ainda são o fermento – não os únicos mas, talvez, os mais eficazes – da catolicidade; cultura, ensino, testemunho missionário, fidelidade ao Pontífice.”

“A um certo ponto, uma grande luz me invadiu. Durou um instante, mas me pareceu algo longuíssimo. Depois a luz se dissipou. Levantei-me e me dirigi até a sala em que me esperavam os cardeais e a mesa sobre a qual estava o ato de aceitação. Assinei-o, o cardeal camerlengo o assinou, e depois foi o momento do ‘Habemus Papam’.”

“A graça faz parte da consciência, é a quantidade de luz que temos na alma, não de sabedoria nem de razão.”

[Falando sobre São Francisco de Assis] "Passaram 800 anos desde então e os tempos mudaram muito, mas o ideal de uma Igreja missionária e pobre permanece mais do que válida. Esta é a Igreja que foi pregada por Jesus e pelos seus discípulos.”

“Sempre fomos minoria mas o tema, hoje, não é este. Pessoalmente penso que ser uma minoria pode ser uma força. Devemos ser uma semanete de vida e de amor e a semente é uma quantidade infinitamente menor da massa dos frutos, das flores e das árvores que nascem da semente.”

“Os padres conciliares sabiam que abrir-se à cultura moderna significava ecumenismo religioso e diálogo com os não-crentes. Desde então foi feito muito pouco nesta direção. Tenho a humildade e a ambição de querer fazê-lo.”

“Certamente não sou Francisco de Assis, e não tenho a sua força e a sua santidade. Mas sou o Bispo de Roma e o Papa da catolicidade. Como primeira coisa, decidi nomear um grupo de oito cardeais para que sejam o meu conselho. Não cortesãos, mas pessoas sábias e animadas pelos mesmos sentimentos.”

sábado, 5 de outubro de 2013


A FÉ CELEBRADA NA LITURGIA
Pe. Joaquim Cavalcante
Diocese de Itumbiara

O Senhor confiou à sua Igreja a tríplice responsabilidade de guardar o Depósito da Fé, celebrar a fé e a missão de anunciar a toda criatura a Boa Nova da salvação (Mt 28,19).

Essa tríplice e grave responsabilidade da Igreja nos coloca diante de três considerações regidas por três verbos, a saber: guardar, celebrar e anunciar.

Gostaria que esta minha intervenção, embora singela e despretensiosa, somada ao contributo relevante dos que me precederam e dos que falarão depois de mim, tudo somado, possa enriquecer o debate teológico e atingir as expectativas desta semana acadêmica.

ð Primeira consideração, guardar:

Guardar o Depósito da Fé é acolhera revelação divina em sua totalidade. À Igreja é confiada essa grave responsabilidade guardar para celebrar e anunciar. É nesse sentido que podemos compreender o que diz a Constituição sobre a liturgia: “a liturgia é cume e fonte” (SC,10). Por que é cume? Porque tudo o que a Igreja crê, professa e anuncia converge para a liturgia.

E por que é fonte? Porque toda a força para o agir  da Igreja, no cumprimento do mandato do Senhor, emana da liturgia. Nesse sentido, não se pode compreender a Igreja sem a liturgia nem a liturgia sem a Igreja.
A Igreja guarda o tesouro da fé não como quem o esconde (como fez aquele operário que mereceu a reprovação do Senhor Lc 19,20-24), mas como quem tem a responsabilidade, primeira, de oferecer esse tesouro ao mundo sem alterar ou profanar a essência do conteúdo que lhe foi confiado.

Guardar o tesouro da fé não significa soterrá-lo ou colocá-lo dentro de um baú trancado a sete chaves. O tesouro da fé é confiado à Igreja (faço questão de usar o verbo ser no presente do indicativo), é confiado para ser celebrado e anunciado.

Na economia litúrgica, a Igreja celebra e atualiza o mistério revelacional, cujo ponto “alfa” é a Anunciação a Maria que inaugura a plenitude dos tempos (Gl 4,4). E, pode-se dizer que, o ponto “ômega” deste mistério celebrado pela Igreja é a páscoa de Cristo.

É fascinante o mistério que celebramos inaugurado com a anunciação a Maria. O Espírito Santo, que é o Senhor da  vida, “fecunda divinamente o ventre de Maria fazendo que ela conceba o Filho eterno do Pai em uma humanidade proveniente da sua” (CIC, 485).

Sim, o Verbo eterno se fez pessoa no ventre de uma filha de Israel, Maria de Nazaré. Diz o Apóstolo na Carta aos Gálatas: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho nascido de uma mulher para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial. E porque sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama Abba, Pai”! (Gl 4,6).

Por conseguinte, o mistério da anunciação e encarnação desvela e dá rosto ao mistério tremendum o qual, no mistério da liturgia, lugar e espaço convivial, o mistério que outrora parecia inacessível torna-se palpável e fascinante, saboroso e inebriante. Celebrar é conviver com o mistério.


ð Segunda consideração, celebrar:

Podemos perguntar: o que celebramos? - Celebramos o mistério da fé que é o mistério de Deus em si mesmo, Pai, Filho e Espírito Santo. Celebramos a Trindade que nos salvou. Celebrando esse mistério, a Igreja torna célebre o evento pascal e o atualiza como momento histórico da salvação. O mistério pascal de Cristo é a obra prima da Trindade. Celebrando a Igreja atualiza a obra da redenção humana e, do nascer ao por sol, cumpre “a perfeita glorificação de Deus”.
A teologia litúrgica da Constituição sobre a Sagrada Liturgia está centrada sobre a história da salvação e a celebração litúrgico-sacramental vem compreendida como momento histórico da salvação.

         Diz o Concílio: “Esta obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão. Por este mistério, Cristo, ‘morrendo, destruiu a nossa morte e ressuscitando, recuperou a nossa vida’ (Prefácio da Páscoa). Pois, do lado de Cristo agonizante na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja. Portanto, assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também ele enviou os apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para pregarem o evangelho a toda criatura, (…) mas ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da salvação através do sacrifício e dos sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica. (…) Desde então a Igreja jamais deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal: lendo ‘tudo quanto a ele se referia em todas as Escrituras’ (Lc 24,27), celebrando a eucaristia, na qual se torna presente a vitória e o triunfo de sua morte (Conc. de Trento) e, ao mesmo tempo, dando graças ‘a Deus pelo dom inefável’ (2Cor 9,15) em Jesus Cristo, ‘para louvor de sua glória’ (Ef 1,12), pela força do, Espírito Santo” (SC 5s).

Como estamos vendo, a fé celebrada na liturgia é a fé de toda a economia da divina revelação, é a fé dos Patriarcas e profetas, a fé bíblica e de toda a Tradição, é a fé dos Santos Padres, a fé sistematizada no dogma e nos Sagrados Concílios.

A fé celebrada no esplendor da singeleza da ritualidade litúrgica é a fé dos pastores e doutores, dos santos e mártires, isto é, a fé daqueles e daquelas que nos precederam no Batismo e que tiveram suas festes lavadas no sangue do Cordeiro (Ap 7,14).

A fé celebrada na liturgia no tempo da Igreja é a fé de Agostinho de Hipona e Ambrósio de Milão, de Crisóstomo de Constantinópole e Policarpode Esmína, é a fé de Rosa de Lima, de Oscar de El Salvador, Adelaide, Doroth, de Luciano Mendes e de Helder Câmara, Chico Mendes e Ezequiel Ramin, é a fé de Madre Teresa de Calcutá e de Madre Dulce da Bahia, a fé de Vieira, Anchieta e de frei Galvão.

Alguns desses nomes, muitos de nós os conhecemos,são testemunhas de primeira grandeza, embora pouco evocados, alguns até banidos da memória eclesial do momento.

A fé que celebramos, meus amigos, é a fé confessada e celebrada por Pedro, primeiro Papa, é a fé de todos os seus sucessores até Francisco, florão da América, fagulha de esperança e inspiração para todos nós.

Celebramos a fé porque a liturgia é a confissão ritualizada da fé e a fé celebrada é a fé dos Apóstolos, é a fé trinitária confessada pelo catecúmeno antes da tríplice imersão. Celebramos a fé que a Igreja transmite à criança ou ao adulto no simbolismo daquele rito absurdamente singelo e profundamente eloquente, uma vela é acesa na luz do Círio Pascal, em seguida, é entregue ao neófito dizendo: “recebe a luz de Cristo”. Por conseguinte, a fé celebrada na liturgia é a fé da Igreja.

ð Terceira consideração, anunciar:

O evento celebrativo é, por si, um anúncio suave e retumbante. A natureza e a estrutura da celebração litúrgica é essencialmente marcada pela dimensão escatológica. Na liturgia não só anunciamos a morte e a ressurreição do Senhor, mas esperamos ardentemente a sua segunda vinda.

Depois da narrativa da instituição da Eucaristia, vem um anúncio que irrompe aquele silêncio próprio da contemplação e diz: “eis o mistério da fé”. Ao que todos respondem com a mais legítima aclamação memorial: “Anunciamos, Senhor a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição, vinde Senhor Jesus”! Maranatha!

Ora, esta aclamação memorial é o grito de esperança que expressa, também, a certeza da fé vivida e celebrada no hoje-kairós da liturgia e da Igreja. Pelo mistério da liturgia, a Igreja afirma, proclama e anuncia a presença do ressuscitado.

Porém, ao mesmo tempo em que diz: “está no meio de nós”, ela clama por sua presença, dizendo: “vinde, Senhor”! sim, está presente pela mediação dos  sinais e virá na plenitude da sua glória “para julgar os vivos e os mortos.”

A espera da volta imediata do Senhor cultivada pela comunidade nascente é celebrada pela Igreja, todos os dias, até a consumação dos séculos.

Como vimos, a liturgia é perene anúncio escatológico na história e esse anúncio faz de cada celebração momento histórico da salvação. A liturgia não pode ser reduzida a um evento para celebrar as lutas e as vitórias históricas, ela é evento salvífico que impregna o mundo e a história do mistério da páscoa de Cristo.

A Eucaristia, mistério central da vida da Igreja, presentifica e anuncia o banquete da Jerusalém celeste. Celebrando, pregustamos e participamos da liturgia do céu. Diz um texto do tropário  de  quinta-feira da liturgia de São Basílio: “Hoje, ó Filho de Deus toma-me como comensal da tua mística mesa, não darei o mistério aos teus inimigos, não te darei o beijo de judas, mas como o ladrão te confessarei, recorda te de mim, ó Senhor, quando estiveres no teu reino” (texto 68).

Para o céu caminhamos como peregrinos na esperança de chegar onde o Cordeiro está sentado à direita do Pai (SC, 8). Toda a ação liturgia é permeada da presença do eterno mesmo inserida no transitório e temporal.

No Evangelho, encontramos parábolas falando sobre o reino como uma celebração que pede uma certa dignidade no vestir, é uma festa de comunhão e alegria. Nesse sentido, a primeira destinatária desse anúncio é a comunidade eclesial chamada a vivera comunhão eterna na presença do ressuscitado.
  
ð Conclusão
Depois dessas palavras, gostaria de pontuar, em caráter de considerações finais, três aspectos que podem ser compreendidos, também, como provocações que ampliam o debate atual:

Primeiro aspecto, o anuncio do silêncio litúrgico. Guardar o silêncio. O silêncio é a palavra do mistério, é a teofania do mistério. O mistério é mais que parte integrante da economia ritual da celebração. O mistério é o que a liturgia celebra. Por isso é preciso ouvir o silêncio, linguagem do inefável que nos contagia. O mistério é o inefável no superlativo absoluto.
O indizível pede atitude. Por isso, diante dele, a inteligência humana se rende, os joelhos se dobram e o coração dispara. E não poderia ser outra nossa atitude. O silêncio nos exercita para o gozo da parusia que a eternidade em sua plenitude.
O silêncio evoca o dinamismo da comunhão plena a que toda existência clama e é vocacionada. O silêncio litúrgico anuncia o estado da existência efêmera irrompida pela suavidade do eterno.
 Na oração silenciosa, a fé é alimentada para audácia da martiria. Para mim, a sinfonia mais bela da fé celebrada é o silêncio. Sinto que as notas da partitura do silêncio são compostas pelo Espírito Santo. Logo, o silêncio é a sinfonia da fé e do Espírito. E segundo Adélia Prado, o silêncio faz da missa o evento “mais absurdamente poético”. Portanto, é um ato de fé não deixar o silêncio como refém dos ruídos e das estridências que invadem a celebração.

Segundo aspecto, celebrar a fé deixando se contagiar pela conversão de linguagem e conversão de hermenêutica litúrgica.. sabemos que a ontologia do mistério é a gratuidade absoluta. Se “a fé ama saber”, o mistério sabe e ama se desvelar na poesia da gratuidade. A fé celebrada pede a conversão de hermenêutica litúrgica e de linguagem litúrgica. Às vezes para descrever o ato, negamos o fato. Por exemplo: a expressão, “comunhão sob as duas espécies”. Existe comunhão sob? A linguística, a gramática e a filosofia da linguagem poderiam ajudar a teologia litúrgica. Comunhão sob o corpo, diz mais que comunhão ao corpo? É contagiante a linguagem simbólica da ritualidade litúrgica. Ela toca o universo antropológico com a força, por exemplo, do único cálice, do qual toda a família eclesial bebe do sangue do Cordeiro.

Terceiro aspecto: Anunciar a fé na perspectivada Tradição e do vigor profético. Se quem celebra a liturgia é um sujeito eclesial e se por sujeito eclesial entendemos a Igreja da Trindade, logo a liturgia é ação conjunta da Trindade e da Igreja. Isto é, o mistério tri-relacional se dá na ação litúrgica eclesial. Quando digo mistério, penso no indefinidamente pressentido e me reporto para o axioma da teologia clássica Lex Credenti, ou seja, a norma de crer. Celebrar é ritualizar a fé e isso não deixa de ser um sinal profético no meio da indiferença.
A Lex Orandi é a fé compreendida em ação. É a fé celebrada na liturgia e vivida no exercício da caridade, da diaconia, da martiria e da coinonia.
A isso, pode-se chamar, também, de Lex Vivendi, ou seja, a norma de viver. Entendo que a vida do fiel deve ser sinal sacramental da sacerdotalidade de Cristo e de todo seu agir. A fé celebrada suscita no fiel a mística trinitária refigurada nas atitudes e gestos éticos de cada batizado. A vivência cristã é entendida como a sintonia entre crer, orar, e agir. Por isso devemos guardar o tesouro que recebemos, devemos celebrar a fé que professamos e devemos anunciar a morte, a ressurreição e a vinda gloriosa do Senhor. Afinal, crer é viver e anunciar o que se  professa e o que se celebra.