quinta-feira, 7 de junho de 2012


   
Liturgia: Momento Histórico da Salvação. Do normativo rubrical ao teológico litúrgico.
Pe. Joaquim Cavalcante
Considerando que o movimento litúrgico deu um a grande contribuição para o surgimento da Enciclica Mediator Dei, e que esta deu grande substrato à Sacrosanctum Concilium, é justo mencionar alguns passos e avanços que precederam o Concilio Vaticano II.
 Depois da Mediator Dei e antes da Sacarosactum Concilium
Podemos dizer que houve uma primavera litúrgica marcada por algumas mudanças de caráter normativo pastoral. Tais como:
 a) A restauração da vigília pascal, em 1951.
b) A introdução da missa vespertina e nova disciplina para o jejum eucarístico, em 1953.
c) A publicação do decreto de simplificação das rubricas do Missal e do Breviário, em 1955.
d) A publicação do o Novo Rito da Semana santa, em 1955 e a instrução sobre a música na liturgia.
A atenção e os encaminhamentos dados Pelo Papa Pio XII favoreceram o desenvolvimento da teologia litúrgica do Concílio Vaticano II.
A partir do horizonte pastoral das mudanças que foram surgindo vai sendo construída a teologia da Sacrosanctum Concilium. É uma teologia centrada na hermenêutica litúrgico-pastoral.
Com o passar do tempo, percebe-se hoje, uma teologia mais litúrgica e uma liturgia mais teológica. A norma, por demais necessárias, não deve aparecer desprovidas ou fora desses dois sentidos.
O que tem aparecido nesses últimos anos? Duas tendências:
A primeira é marcada pelo o domínio do subjetivismo litúrgico, isto é, cada um faz o que achar mais conveniente.
Ora, o texto do Concilio é claro e enxuto, apresenta o essencial, mas na liturgia foi entrando certo subjetivismo sem fundamento litúrgico e teológico que deforma o espírito da Sacrosanctum Concilium.

A segunda tendência é o domínio de um rigorismo normativo rubricista. Essa tendência muitas vezes aparece carente de sensibilidade pastoral e teológica.

 Mais do que nunca, devemos deixar ressoar a beleza e grandeza da liturgia. A liturgia é uma fonte preciosa. Dela exala a fragrância da Palavra do Senhor.    

A liturgia é a salvação em ação gerundial. Todo o mistério da liturgia transpira a salvação. A Palavra e o espaço litúrgico com o odor do incenso, o som das vozes e da harmonia da música, tudo isso acompanhado dos gestos e dos símbolos refigura a presença do Logos que vai se dando benevolamente como outrora se deu na plenitude dos tempos.

Liturgia é essencialmente alteridade que interpela e inclui na mais absoluta gratuidade do amor que se dá no mistério do rito que evidencia a economia divina no hoje da história. Por isso a liturgia é compreendida como momento histórico da salvação.

A liturgia é mistério fontal. A fonte é a dilatação permanente da gratuidade. A fonte não sabe de si, ela se dá no silêncio com a pureza que ela brota por entre as fendas de uma rocha ou do ventre da terra. Por isso a liturgia é sempre uma grandeza de fundo e uma beleza fascinante e transparente.

A liturgia é momento histórico da salvação porque é tempo e lugar privilegiados onde a comunhão é experimentada, Deus é glorificado e o gênero humano é santificado. A liturgia é ação integradora dos mistérios da vida e da fé.

Nada na liturgia pode transcorrer separado ou paralelo à vida e à fé. A essência da liturgia é expressar e construir a comunhão. Por si mesmo, ela refuta qualquer tendência de privatização intimista ou subjetivismo dispersivo.

Na história nossa de cada dia se dá a história concreta da salvação. Isso pede seriedade e perfeita integração entre nosso modo de viver e nosso modo de celebrar.
(Lex credendi e vivendi = lex celebrandi).
A liturgia é momento histórico da salvação porque toda história é impregnada da salvação em cada ação litúrgica.

A Santíssima Trindade e a Igreja operam na liturgia atualizando a salvação no mundo. Isso faz a liturgia, ao longo da história da salvação, ser compreendida como evento de salvação.

Celebrar é presentificar a salvação, é atualizar o encontro com Deus e com os irmãos. Para isso urge uma teologia litúrgica estribada no espírito da Sacrosactum Concilium que ajude a superar o rubricismo que não favorece a participação consciente, ativa e frutuosa. Porém, a Sacrossanctum Concilium deve ser lida e aplicada à luz das demais constituições conciliares: (LG, GS, DV).

A celebração litúrgica é o ponto de confluência da existência humana com a presença e a essência divina. Não se começa ser cristão por um encontro ético ou uma grande ideia e sim por fascinação – por uma decisão pessoal (Documento de Aparecida). Toda existência é interpelada pela beleza do mistério divino.

Convém investir na formação litúrgica dos futuros ministros ordenados e de todos o povo de Deus. Devemos celebrar bem e exercer bem nossa função litúrgica, porque somos um povo sacerdotal.

A liturgia tem que encantar, mas quem não se encanta pelo que faz não ama o que faz. A participação litúrgica não pode e nem deve ser confundida com subjetividade arbitrária e diversão religiosa de mau gosto. Isso seria o cúmulo da involução litúrgica.

Infelizmente, muitos os católicos não participam da Eucaristia dominical, não por falta de presbíteros, muitas vezes por falta de boa vontade.  Por isso muitos são vulneráveis na fé.

Dizia Dom Armando no Seminário Nacional de Liturgia: “sem a participação na Eucaristia dominical e preceitual não há um discípulo missionário autêntico”. Alguns querem a celebração ritualista e privada, mas o Concilio ensina que ela deve ser inteligível e para todos.

A liturgia como momento histórico da salvação é: mistério celebrado, páscoa atualizada no rito da fé professada em ação celebrativa e vivencial.

O mistério pascal torna presente o mistério da fé e o escatológico torna se presente no temporal. Assim, toda a celebração litúrgica deve ser compreendida como a diafania ou desvelamento do mistério. Mistério que na Igreja com seus Sacramentos é o prolongamento da presença de Cristo ressuscitado na história. Todo o agir de Cristo na história, antes da sua morte, passou para os sacramentos. (Leão Magno).

Os sacramentos são constitutivos da fé da Igreja. Por isso a liturgia não é outra coisa que a profissão sonora da fé. Toda ação litúrgico-sacramental é obra da Trindade e da Igreja. Por essa razão, a maior adoração é deixar se embebecer da celebração na sua divina e singela beleza.

Considerações finais:
  O Prof. Andrea Grillo disse em uma das suas conferências durante o Seminário Nacional em Itaici, que há quatro coisas que não podemos esquecer e, como sabemos, recordar é manter as coisas no topo da memória.
1. A liturgia é ação ritual não somente exercício de um direito ou de um dever.
Portanto, não pode ser reduzida a um mero controle “para evitar abusos que devem ser absolutamente evitados”. A liturgia é a o ícone da gratuidade do mistério salvífico que se dá na ação ritual. Como ação ritual a liturgia é a sinfonia que narra, glorifica e exalta os feitos de Deus no mundo e santifica as pessoas. (nesse sentido, a celebração eucarística é, por excelência, rito de santificação, porque é rito que transforma).

2. A liturgia       experiência de comunhão não somente experiência pública ou privada.
É preciso resgatar os fundamentos da teologia litúrgica para se chegar à compreensão da liturgia como "experiência de comunhão". Deve-se priorizar a celebração comunitária (SC, 27). Não basta fazer da liturgia uma ação pública, é preciso que ela favoreça uma profunda experiência de comunhão entre os que dela participam.
3. A liturgia é tempo festivo/doado a ser vivido na dinâmica da gratuidade recíproca.
Tempo festivo e doado não significa tempo livre ou tempo dedicado ao fazer. A gratuidade da liturgia pede abertura e generosidade para dar e receber. A natureza da gratuidade vai além do direito e do dever. A liturgia é tempo doado porque é a festa da fé. É Tempo festivo e “tempo festivo é transgressão do tempo homogêneo e irreversível- que o relógio exalta de maneira suspeita- é representação da origem graciosa e gratuita do tempo” (A.Grillo).
 4. A liturgia é-"fonte e cumenão só meio ou função.
Não podemos fazer desse princípio um mero refrão de uma retórica insuportável.Afirmar que a liturgia é cume e fonte de toda a ação da Igreja, significa que a liturgia não é "mídia"! Que as razões de sua simbólica e de sua ritualidade, não estão a serviço de outra coisa e sim coincidem com a comunhão com Deus, não na sua totalidade histórica e escatológica, mas, na sua antecipação e em sua plenitude, em seu início e em seu fim” (A.Grillo).
Creio que esses quatro pontos nos remetem para uma hermenêutica litúrgica infinitamente maior que os parâmetros limitados de uma compreensão do sentido da liturgia como direito e dever.  Liturgia é dom para ser celebrado comunitariamente como a festa escatológica antecipada no tempo. Pois toda liturgia terrena é antegozo da liturgia celeste.
 Que as celebrações dos 50 anos do Concílio Vaticano II potencie a fé e a práxis das nossas comunidades para que nossas celebrações expressem e atualizem o dom da salvação que o Pai nos oferece, por Cristo, na ação fecunda do Espírito Santo que, com a Igreja e na Igreja, é o artífice da liturgia. Amém!   

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