sábado, 23 de junho de 2012

A salvação é um dom de Deus


A  pedido dos amigos e visitadores deste blog segue a entrevista que dei ao repórter Erivaldo Maximino representante de um jornal local, há algum tempo.
Pantocrátor - Igreja Santo Pedro & São Paulo - Itumbiara, Goiás, Brasil

A salvação é um dom de Deus’

FN: O Padre Joaquim Cavalcante, da Paróquia São Pedro e São Paulo, recebeu convite e aceitou integrar o quadro de colaboradores do FN, escrevendo sobre fé e vida, brindando os leitores com seu vasto conhecimento em teologia, filosofia e outras áreas. Na entrevista a seguir, procuramos mostrar um pouco do perfil do padre e o que ele pensa sobre diversos assuntos. Confira.
FN: Depois do curso seminarístico no Brasil, o senhor fez o mestrado no Pontifício Ateneu Santo Anselmo e o doutorado em teologia na Pontifícia universidade Gregoriana em Roma. O que é a teologia?
Padre Joaquim:
Estudar a teologia significa entrar em contato com uma ciência. A teologia, antes de tudo, é uma ciência. Santo Agostinho a definiu como sendo a ciência que se ocupa do estudo sobre Deus. Ela é a ciência da fé. O estudo sobre Deus só pode ser teologia se ele partir da experiência da fé. A base de toda a teologia é a revelação de Deus em Jesus Cristo. Por isso as fontes do estudo desta ciência são a Sagrada Escritura, a Tradição Patrística e litúrgica e os ensinamentos do Magistério da Igreja. Por isso entendo que a teologia é a ciência que emana da compreensão crítica do conteúdo da fé e da sistematização do pensar sobre Deus.
FN: Em que ela pode ajudar as pessoas?
Padre Joaquim:
Entendo que a teologia pode ajudar as pessoas porque, pensando o mistério eterno de Deus Pai e Criador e as realidades futuras, ela é a ciência que se ocupar com o mistério da vida no hoje da história. Seria um equívoco pensar a vida para além da morte ignorando a vida aqui e agora. Como toda ciência, a teologia deve pensar a vida no planeta e colocar-se a serviço dela em todo cosmos. Para mim, a ciência que não se coloca a serviço da vida é um culto ao abstrato, ou a ela mesma e, nesse caso, não faz sentido existir. O grito dos que sofrem por ter sua vida e dignidade ameaçada deve despertar no teólogo uma hermenêutica do reino que o torna mais comprometido com as vítimas do poder dominante que gera senhores, escravos e miseráveis. A teologia como ciência da sistematização da fé não pode ignorar nada que se refere a Deus e ao ser humano.
FN: O senhor continua estudando, não se cansa?
Padre Joaquim:
Sim, continuo. Estudar a teologia é, para mim, mais que um gosto pessoal, é uma necessidade que se me impõem. Além disso, penso que ninguém deve se cansar daquilo que o fascina. O mistério de Deus, o reino, a Igreja, o ser humano, tudo aquilo do qual a teologia se ocupa, me fascina. O teólogo deve pensar essas realidades contemplando o esplendor da beleza eterna que há em cada uma delas. Pena que outras responsabilidades inerentes ao meu ministério não me permitem dedicar-me mais à teologia como eu gostaria e como ela exige. A teologia é para mim a ciência da fascinação.
FN: Como o senhor aplica seus conhecimentos de Filosofia, Teologia e outras especializações no seu trabalho, enfim,  como é ser teólogo e pároco?
Padre Joaquim:
Esta pergunta não é fácil. Ela me reporta ao que antes afirmei. A teologia como ciência deve estar a serviço da vida, o teólogo deve estar a serviço da vida, o pároco deve estar a serviço da vida. O teólogo não deve deter para si a ciência teológica, assim como o pastor não deve reter o pasto em detrimento do rebanho. Sinto sobre os meus ombros a responsabilidade de socializar a teologia. Tenho o grave dever de torná-la acessível aos que por ela demonstram interesse e de colocar-me a serviço das Dioceses que solicitam minha ajuda. Na impossibilidade de dedicar-me mais à construção do saber e da produção teológica, peço a Deus a graça do discernimento para deixar a teologia iluminar meu agir pastoral nesta comunidade paroquial. Sabemos que ninguém serve bem a dois senhores. Por limitação minha, tenho deixado muito a desejar tanto uma parte como outra.
FN: Para exercer a função de padre é obrigatória a formação em Teologia?
Padre Joaquim:
Considerando as variantes curriculares, de seminários para Institutos de Teologia, ou Universidades e de um País para outro, além da graduação em Filosofia, a Igreja pede ao candidato que deseja ser padre pelo menos quatro anos de estudo das ciências teológicas. Acho pouco, mas se levado a sério esse tempo de estudo, dá um bom conhecimento da teologia e ajuda no exercício das atividades pastorais.
FN: Como o senhor divide seu tempo entre padre, professor e ao mesmo tempo buscando novas especializações, enfim, qual é a rotina do Padre Joaquim Cavalcante? 
Padre Joaquim:
Minha vida é muito simples. Começo o dia fazendo uma caminhada e depois rezando a chamada “laudes” (Oração da manhã do Ofício Divino) e meditando os textos litúrgicos de cada dia, ou fazendo uma caminhada e depois rezando. Na oração peço sempre ao Senhor para fazer de minha pessoa um instrumento dele junto a cada um que vou receber. Tomo café e vou para o escritório e começo atender aos que me procuram. Paro ao meio dia, almoço e recomeço o atendimento às 14h. Às vezes deixo para caminhar no final do dia. Encerro jornada celebrando a Eucaristia às 19h. Quando posso participo de alguma reunião (e reunião é o que não falta), gosto de assistir o noticiário, leio alguma coisa, preparo aulas, homilias, conferências, cursos, respondo cartas etc... Gosto de tomar um lanche fora, sobretudo um açaí na tigela.
FN: Como o senhor vê esse despertar de Itumbiara na educação, como por exemplo a vinda de novas faculdades e agora o CEFET?
Padre Joaquim:
Toda universidade deve sentir-se comprometida com o desenvolvimento da comunidade e a socialização do saber onde ela se faz presente. Vejo com grande expectativa a vinda de mais cursos e mais faculdades para cá. Isso pode contribuir com o desenvolvimento para nossa região, só depende da filosofia e da política de vida dessas faculdades. Faço votos que os jovens e as pessoas de baixa renda tenham acesso ao saber científico. Espero que não aconteça o mesmo em relação à construção da nova sede da UEG com tantos cursos prometido. Nesse sentido há uma grande frustração. É falta de elegância prometer e não cumprir. Quem prometeu devia sentir-se no dever de se redimir frente à opinião pública. Ninguém gosta de ser enganado. Devo dizer que muitos sentimo-nos enganados por promessas até agora não cumpridas. Isso afronta nossa dignidade e depõe contra quem prometeu.
FN: Padre Cavalcante, quais temas o sr. vai abordar na coluna e o que os leitores do FN podem esperar?
Padre Joaquim:
São temas simples e voltados para a fé e a vida. Não vou prometer grandes coisas. Sou simples, a vida também o é. Espero que os leitores possam me ajudar propondo questões de interesse relevante e que eu possa contribuir na reflexão.
FN: Itumbiara pode ser considerada uma cidade eclética, sob o ponto de vista religioso, pois aqui existem muitas religiões, relativamente convivendo bem. Como o senhor vê isso?
Padre Joaquim:
Isso é positivo. Seria desconcertante se nossas diferenças religiosas nos separassem. Penso que devemos fazer tudo para superar todo e qualquer tipo de prosetilismo. As diferenças devem ser vistas como possibilidade para o enriquecimento e não para a divisão. Parece-me contraditório ao princípio servir-se dela para denegrir o outro. A unidade querida por Jesus vai sendo construída na diferença ,no respeito, e no amor recíproco.
FN: Como a Igreja Católica, ou o sr. especificamente, vê o avanço de outras religiões, inclusive o crescimento não apenas na evangelização e conquista de novos fiéis, mas também uma postura digamos empresarial de algumas religiões? Padre Joaquim: Vejo tudo isso como um fenômeno dos tempos atuais. Com a proliferação do proselitismo religioso, estamos vivendo um verdadeiro êxodo dentro do próprio cristianismo. Esse tipo de comportamento é digno de compaixão. Ele perverte todo o sentido do Evangelho e da missão que Jesus confiou aos doze. O acentuado discurso de uma teologia da retribuição traz no seu bojo um forte interesse mercantil. Nesse caso acho tão frágil quem prega como a pessoa que acredita nesse tipo de pregação. Isso pode contribuir para superar a miséria financeira de alguns espertalhões, mas não contribui para que o mundo seja melhor.
FN: Nas festas de sua paróquia, a São Pedro e São Paulo, a venda de bebidas alcoólicas é proibida. Por quê?
Padre Joaquim:
Vou começar dando três razões porque nossa Paróquia não vende bebida alcoólica. Primeiro: parto do principio bíblico paulino “se alguém está em Cristo é uma nova criatura” (2Cor.5,17). O mesmo Apóstolo nos ensina que nem tudo que é permitido convém ser praticado. A vida cristã é a vida em Cristo. Quem está em Cristo não precisa de álcool para se alegrar e ser feliz. Segundo: sabemos que tudo que é ingerido e causa alteração no sistema nervoso é considerado droga (CNBB, Manual da CF 2001, p. 72). Álcool não causa alteração nenhuma? Terceira: uma estatística recente diz que o álcool causou 80% dos homicídios em Goiânia (cf. Diário da Cidade 15.05.03,p 6). Muitos podem discordar disso, mas não terão razões para dizer que não vendendo bebidas alcoólicas, contribuímos com a desgraça das pessoas e das famílias. Não resolvemos o problema do químico-dependente, mas não contribuímos com o vício de ninguém. Gostaria de dizer que nunca proibi. Nunca baixei decreto proibindo a venda de bebida alcoólica. Simplesmente fiz uma proposta no meu discurso de posse. A comunidade acolheu e levou a sério. Tantas outras acolheriam com a mesma seriedade se seus pastores tomassem essa iniciativa. Sei que alguns começaram, mas não continuaram porque os coordenadores da festa eram dados ao álcool, nesse caso, torna-se difícil. Contudo, estou certo de que um pastor deve saber o que é melhor para seu rebanho. Somos uma comunidade de baixa renda, mas a renda da venda de bebidas alcoólicas não nos faz falta. Tudo o que propusemos fazer tem sido feito sem precisar vender um copo de cerveja. A começar pela construção da nossa igreja paroquial.
FN: O que a pessoa deve fazer para conseguir a salvação?
Padre Joaquim:
Absolutamente nada. A salvação não depende do nosso esforço. Ela é expressão suprema da gratuidade de Deus que, na ação do seu Espírito, em Cristo nos reconciliou. A salvação não é uma conquista por mérito humano, é dom de Deus. A única coisa que depende da pessoa é aceitar e acolher esse dom. Santo Agostinho dizia: “aquele que nos criou sem a nossa participação, não quer nos salvar sem a nossa aceitação”.
FN: O sr. é apontado por algumas pessoas como um padre austero. A que o sr. atribui isso?
Padre Joaquim:
Toda vez que alguém me faz esta pergunta, dou sempre a mesma resposta: se para alguns austeridade é um grande defeito, para outros é uma virtude e para mim esse adjetivo só aumenta minha responsabilidade na busca da coerência. Perdoem-me, mas eu acho esse modo de julgar muito parecido com o dos relaxados. Peço a Deus essa austeridade não seja maior que minha ternura a minha ternura não seja menor que minha sensibilidade para que eu continue sabendo ouvir os gemidos do coração de cada ser humano que se me aproxima. Ternura e vigor caminham juntos que o Senhor não me retire a capacidade de chorar com aquela criança que ficou órfã, com aquela mulher que ficou viúva, com aquele jovem para quem a vida não tem mais sentido. Que eu continue debruçando sobre cada moribundo na UTI dos hospitais ungindo cada um e sendo para ele a presença terna de Deus-amor e da Igreja mãe. Espero que em nome da austeridade que tanto me custa, eu continuo colocando meus ombros, meu colo, meus ouvidos minha voz e todo o meu ser à disposição dos corações feridos e de todos que vierem ao meu encontro. Que em nome desta austeridade que a tantos incomoda, meu sim seja sempre sim e meu não sempre não, mesmo quando tiver que contrariar interesses humanos.
FN: Quais são suas considerações finais?
Padre Joaquim:
Agradeço a este jornal pela oportunidade deste diálogo e me coloco à disposição para outras conversas. Desejo a todos os leitores de FN uma semana santa vivida na perspectiva da páscoa de Cristo, a nossa páscoa.

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